27 abril, 2007

Munduruku: Uma História de Conquista

Por Nonato Silva
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Localizado no alto Tapajós e fazendo divisa com os estados do Amazonas e Mato Grosso, o município paraense de Jacareacanga, tem uma população estimada em mais de 34 mil habitantes, sendo que basicamente a metade deste contingente populacional é formada pela nação Munduruku.
Entre as grandes lideranças antepassadas da nação Munduruku se destaca o cacique Karosakaybo. No mito de origem, Karosakaybo criou os Munduruku na aldeia Wakopadi, situada nos campos centrais, próxima às cabeceiras do rio Krepori, local hoje situado nas proximidades do limite leste da terra demarcada em 2001. Segundo a história contada de pai pra filho entre os Munduruku, esse grande guerreiro foi o responsável pelo crescimento deste povo e pela revolução cultural e social desta nação. Os Munduruku têm como seu território mais tradicional os campos interiores do alto Tapajós.
As primeiras notícias sobre o contato das frentes colonizadoras com os Munduruku datam da segunda metade do século XVIII, sendo a primeira referência escrita feita pelo vigário José Monteiro de Noronha, em 1768, que os denominou “Maturucu”, quando foram avistados às margens do rio Maués, tributário do rio Madeira, antiga Capitania do Rio Negro – atual Estado do Amazonas –, onde atualmente existem comunidades desta etnia cuja história de contato e relações com a sociedade nacional apresenta aspectos distintos das comunidades Munduruku situadas na região do alto Tapajós.
Antes mesmo de o povo Munduruku se tornar um grupo guerreiro, já era grande excursionista, era um povo de costume nômade. “O povo Munduruku quando saia em campanha de guerra andava enfileirado e nos ataques às aldeias inimigas a cercavam durante a noite e lançavam suas flechas contendo chamas nas pontas. Usando esta tática, com as casas em chamas, o inimigo tentava fugir, sendo alvo fácil para os guerreiros Munduruku. Por este costume de andar em fileiras, o povo Parintintin denominou esta nação de Munduruku que quer dizer Formigas Grandes”, disse o cacique Biboi Munduruku.
A partir da segunda metade do século XIX, a expansão da economia extrativista consolidou a exploração do caucho (castilloa elastica) e da seringueira (hevea brasiliensis), dando origem ao chamado ciclo da borracha, inserindo a Amazônia no mercado capitalista internacional. Este fato acelera o processo de ocupação não-indígena no alto Tapajós e demais áreas de concentração das chamadas gomas elásticas, especialmente a partir do final do século, com o deslocamento de milhares de trabalhadores da região Nordeste do Brasil, que foram submetidos como mão de obra compulsória na exploração da borracha, dentro do sistema conhecido como barracão, controlado pelos donos dos seringais. Este quadro econômico provocou a invasão de territórios indígenas, obrigando o constante deslocamento das sociedades nativas em toda região amazônica.
Para os Munduruku, esses acontecimentos, aliados ao primeiro aldeamento missionário a se estabelecer na parte alta das cachoeiras do Tapajós, marcam um ciclo na sua história por representar a presença contínua de não-indígenas em uma região anteriormente sob seu controle. O primeiro aldeamento nesta região, conhecido como Missão Bacabal, foi estabelecido em 1872, abaixo da foz do rio Crepuri, sob controle de padres franciscanos. Mesmo assim, as aldeias tradicionais situadas em locais de difícil acesso, ou seja, nos campos, permaneceram autônomas durante muito tempo, existindo registros de viajantes e cronistas que passaram pela região sobre incursões guerreiras dos Munduruku até os primórdios do século XX.
A tendência de deslocamento, mesmo nas primeiras décadas após o estabelecimento da Missão São Francisco no rio Cururu, em 1911, mantinha um caráter sazonal, isto é, as idas dos Munduruku para as margens do Tapajós e Cururu ocorriam no período da estiagem. Mais tarde, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) chega à região, criando em 1940 o Posto de Atração Kayabi, no Rio São Manoel, e em 1942 o Posto Indígena de Atração Munduruku, no rio Cururu, contribuindo, ao lado da Missão Franciscana, para o aceleramento e consolidação do processo de deslocamento dos Munduruku, como também dos Kayabi e Apiaká. Ambas instituições exerceram papéis importantes na solidificação do trabalho de extração de caucho e borracha entre os indígenas, atraindo o deslocamento de grande parte da população dos campos para o rio Cururu.
É fato também, que tanto a Missão São Francisco como o SPI contribuíram para a manutenção do espaço territorial dos Munduruku face ao assédio da frente de expansão de caráter extrativista, que foi marcada por dois períodos de maior intensidade: o primeiro de cerca de 1880 a 1920, quando floresceu a economia e a cultura gomífera em toda Amazônia, cujo declínio ocorreu em conseqüência da concorrência dos seringais ingleses cultivados na Malásia; e o segundo ciclo no período da 2ª Guerra Mundial e a década pós-guerra, devido à suspensão das relações econômicas com o Extremo Oriente, quando, com o apoio do governo americano, o Brasil adotou uma expressiva política de incentivo à produção da borracha, criando linhas de financiamento para as atividades e estimulando o deslocamento de nordestinos para trabalharem como seringueiros, denominados oficialmente de "soldados da borracha". Os estudos de história e antropologia atribuem ao comércio que era realizado pelos regatões - comerciantes que percorriam os rios vendendo produtos (açúcar, tecidos, sal, cachaça etc.) a partir do final do século XIX - uma influência preponderante sobre o deslocamento dos Munduruku das aldeias tradicionais do campo para as margens dos rios navegáveis da região, particularmente o Tapajós e o Cururu. Segundo esta versão, os Munduruku das aldeias do campo passaram a se deslocar na estação da seca para as margens do Tapajós com a finalidade de efetuar a troca de borracha e produtos da floresta por bens industrializados, e desta forma foram fixando-se nas margens dos rios. Porém, na tradição oral deste povo as explicações são outras. Mesmo narrando os deslocamentos sazonais para o Tapajós e posteriormente para o rio Cururu, outros fatores foram decisivos para a fixação nas margens dos rios, a exemplo de uma grande epidemia de sarampo ocorrida no início da década de 1940, quando parte significativa da população foi dizimada inclusive ocorrendo a morte de chefes de grandes aldeias tradicionais dos campos.

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