23 novembro, 2007

A menor L. diz que agentes ignoravam seus gritos

A exceção das quintas-feiras, quando os presos recebiam a visita de suas esposas, L., a jovem que durante um mês dividiu uma cela com mais de 20 homens na Delegacia de Abaetetuba, foi obrigada, todos os dias, a manter relações sexuais com os colegas de cela em troca de comida. Durante esse período, ela foi torturada, queimada, teve os cabelos cortados e foi impedida de caminhar livremente pela cela. E embora tenha suplicado aos agentes prisionais em nome de sua condição de menor de idade, a adolescente foi ignorada pelos policiais. As denúncias compõem o depoimento que a menor prestou ainda nas dependências da delegacia, quando da visita do colegiado do Conselho Tutelar do município. A visita foi feita no dia 14 de novembro, motivada por denúncia anônima apresentada naquela tarde ao Conselho. A adolescente só seria encontrada novamente três dias depois, no cais da cidade.
O depoimento, colhido por uma assistente social, consta do Relatório de Intervenção do Creas (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) encaminhado a órgãos e entidades como o Ministério Público, TJE (Tribunal de Justiça do Estado) e Cedeca-Emaús. Foi prestado corajosamente, segundo a conselheira tutelar Maria Imaculada Ribeiro, sob o olhar vigilante de um agente prisional e do delegado Fernando Cunha, superintendente da Polícia Civil no Baixo-Tocantins. Ao término do relato, a menor foi reconduzida para dentro da cela. No curto depoimento, a jovem revelou os dias de horror que viveu na delegacia, denunciou a total omissão dos policiais, mostrou-se carente e fragilizada e pediu uma chance para voltar para a casa do pai.
Horror -
A adolescente afirma no depoimento que nunca informou à Polícia ser maior de idade. O relatório observa que a menor 'acrescentou que sempre insistiu para que fossem procurados seus familiares, principalmente seu tio, Carlinho, com quem residia, mas que nunca houve qualquer preocupação em encontrá-lo'. A adolescente explica que residia com o pai e a madrasta na Vila Pororoca, na estrada do Igarapé-Miri, área do município de Abaetetuba, a cerca de 90 quilômetros de Belém. Após a morte do avô, 'não quis saber de mais nada e passou a ficar constantemente na rua'. Disse ao pai que iria passar alguns dias com a mãe em Barcarena, município vizinho, mas acabou indo para a casa do tio.
Ela explica então que 'em Abaetetuba, foi a minha perdição. Quando eu bebia, fumava (maconha), e, quando eu tinha dinheiro, comprava roupa, alimentos. Roubava, mas nunca usei arma na minha vida, só pegava as coisas se (as pessoas) ‘marcassem’ (se distraíssem)'. L. diz no depoimento que 'eles (os presos) me batem toda hora, toda hora, queimaram meu pé com papel higiênico quando eu dormia, tocaram fogo'. Segundo Maria Imaculada, os presos faziam 'cigarros' de papel, que eram colocados entre os dedos do pé da adolescente e então acendidos enquanto ela dormia. A adolescente também denuncia ter sido estuprada: 'Eles diziam ‘Tu vai ficar com fome?’ Aí eu ia com eles. O melhor dia é quinta-feira, porque as mulheres deles vêm e aí eu fico livre'.
Ela relata ainda a total omissão por parte dos policiais: 'Uma vez, o B. me levou pro banheiro à força, eu gritei, gritei, mas a gente grita, dá uma raiva porque eles (agentes prisionais) não vão ouvir.' Ela então se diz arrependida dos furtos e pede que a tirem da delegacia 'para morar com o pai e fazer crochê, que aprendeu na Pastoral do Menor'. L. descarta estar grávida porque os presos, diz a menor, sempre usavam preservativos. O relatório diz que L. havia sido presa por furto em abril deste ano, mas o crime foi afiançado. Ela seria presa novamente em 21 de outubro, quando passou a dividir a cela com os outros detentos.
ORM

Anúncio provido pelo BuscaPé
Baixaki
encontre um programa:
www.g1.com.br