Jornalismo: Diploma obrigatório, atraso e babaquice
Manuel Dutra *
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Fico abismado com algumas reações a respeito das decisões judiciais sobre a obrigatoriedade/não obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício profissional. Para começo de conversa, eu nunca prestei muita atenção a esse assunto, mesmo sendo diplomado e tendo exercido o jornalismo diário e corrido durante mais de 30 anos.
Escrevo isto mais pensando em alguns, poucos, jovens estudantes de jornalismo que agora se sentem desmotivados diante da possibilidade da queda, ainda não definitiva, pois pendente de decisão da corte maior, da exigência da obrigatoriedade do diploma para entrar nas empresas de mídia. Alguns, tão desinformados quanto desorientados sobre o que pretendem fazer de suas vidas, chegam a pensar que, ao concluir o curso, a universidade onde estudam não lhes dará diploma.
Nas empresas por onde passei, aqui e alhures, jamais, jamais me pediram diploma. Mas exigiram competência profissional (como curiosidade: eu fui o primeiro jornalista diplomado a se registrar na DRT-Pará). Cheguei até a “perder” meu diploma dentro de casa, tanto valor dei a ele. Nunca fui defensor de diploma, mas sou e sempre serei defensor da formação superior de boa qualidade para o jornalista, tanto quanto vejo que as empresas de comunicação são as que mais ganham com a não obrigatoriedade, promovendo o achatamento salarial e contratando pessoas sem mínimas qualificações profissionais.
Resultado? Aí estão os jornalões e jornaizinhos de péssima qualidade nas bancas. A queda de qualidade é reconhecida até pelos donos das maiores empresas jornalísticas do Brasil, basta ler o Jornal da ANJ, a Associação Nacionais de Jornais, empresarial.
Felizmente, um número muito superior de jovens pensa igual a mim e, no momento em que a obrigatoriedade do diploma é posta em xeque, os cursos de comunicação de todo o Brasil estão entre os que mais atraem candidatos nos vestibulares. Na UFPA, por exemplo, no último vestibular, o curso de Comunicação/Jornalismo superou todos os outros em número de candidatos na terceira e última fase dos exames. Na primeira fase, ficou quase em pé de igualdade com Ciências Biológicas e com a própria Comunicação na habilitação Publicidade e Propaganda. Na segunda, a marca fase foi levemente superada pela preferência pelas Ciências Biológicas. Então, não está aí uma contradição entre o que dizem e fazem os jovens candidatos ao Jornalismo e o regozijo de alguns colunistas, rindo alegres por causa da possível não obrigatoriedade do diploma? Qual é o sorriso idiota, dos novos estudantes de Comunicação, ou dos profissionais que resistem ao conhecimento, ao saber acadêmico e à pesquisa?
Felizmente, entre os pessimistas de sempre, há muitos jovens mais preocupados com a aquisição de conhecimento do que com diploma.
Depois que troquei o jornalismo diário e corrido pela docência, nos últimos 15 anos, vejo um número crescente de ex-alunos meus apresentando telejornais, assinando reportagens em impressos, em agências de publicidade, em assessorias, em várias cidades e mesmo em rede nacional de Tv. Vários deles são hoje doutores e mestres, trabalhando em cursos de comunicação em várias partes do Brasil. Em muitas ocasiões orientei trabalhos de conclusão de cursos de alunos que levaram a sério a sua formação, e jamais ouvi de um só deles sequer uma menção a essa babaquice de obrigatoriedade de diploma. Todos, todos os bons alunos que tive estão empregados, alguns deles mostrando-se muito satisfeitos quando os encontro.
Se um jovem entra numa faculdade pensando em diploma, é preciso dizer que esse jovem envelheceu antes da hora, está fora de sua época e não se mostra informado sobre as tendências daquilo que tantos alardeiam hoje dentro das salas de aula, que é o tal “mercado de trabalho”. Nunca, em qualquer época, esse mercado foi tão exigente quanto à capacidade dos profissionais saídos das universidades e, ao que se saiba, eles não se colocam nesse tal mercado por causa de diploma, mas tão-somente por sua competência pessoal e capacidade de se atualizar.
Um jovem estudante que, numa faculdade, pensa em abandonar o curso porque o diploma será ou seria desnecessário para entrar no tal mercado, deveria procurar informar-se, ler (coisa raríssima entre os jovens) para saber que até para porteiro de edifício se exige, não diploma, mas competência. Se informado, continuar a priorizar o canudo, que caia fora da universidade e ceda o lugar a quem prioriza o saber, a pesquisa e a compreensão do mundo em que vivemos.
Sem que nunca me tivessem pedido diploma, cheguei a ganhar três vezes o cobiçado Prêmio Esso (será que os candidatos a jornalistas de hoje já ouviram falar disto?) como está comprovado no livro recém-lançado, “Uma história de vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo”. Dois eu ganhei quando trabalhava no interior do Pará e um terceiro, em Belém. Outros jornalistas que nunca se diplomaram também ganharam, creio que até a maioria dos vencedores do mais valorizado prêmio do jornalismo brasileiro nunca cobiçaram diploma. Priorizaram o saber e a garra de caçar e desnudar os fatos de que a sociedade não pode prescindir.
Essa reação à possibilidade de queda definitiva da exigência do diploma se insere na pobreza bacharelesca historicamente construída no Brasil. Por outro lado, as empresas de comunicação se esforçam por confundir as coisas, embaralhando exigência de diploma com capacidade profissional, formação superior de qualidade com o que se diz nas redações, que “jornalista nasce feito”. Misturam a necessidade de profissionais qualificados com atentado à liberdade de imprensa (a liberdade dos donos das mídias de dizerem o que bem entenderem, sem dar voz a seus leitores/ouvintes).
Sempre defendi que os cursos de comunicação é que precisam se reciclar e partir para uma formação melhor do que hoje oferecem. Talvez até a queda da exigência do diploma venha em socorro da melhoria dos cursos de jornalismo: permanecerão aqueles cursos sérios e de qualidade, e desaparecerão aqueles que nunca deveriam ter aparecido. Quando todos, ou a grande maioria dos estudantes de jornalismo deixarem as faculdades bem formados, que se lixe de vez o diploma, pois vencerá, como já está vencendo, a qualidade, a competência profissional.
E que não demore também o dia em que as redações de jornais, Tvs e rádios sejam dirigidas por jornalistas, gente bem formada, capaz de administrar os seus preconceitos e entender o que se passa no mundo em volta, o que não se verifica hoje! E que a mídia deixe de ser balcão de mercado para ser o instrumento de aperfeiçoamento democrático de que todos precisamos.
Os jornalistas e estudantes de jornalismo talvez melhor aproveitassem o tempo discutindo coisas como: cadê os sindicatos das categorias trabalhadoras da comunicação? Cadê a união da classe? Onde está a nossa capacidade de luta, em defesa tanto da profissão como de um jornalismo de excelência? O diploma é importante, no entanto, se mal entendido, ele pode ser tão-somente um expediente burocrático. O que enfurece os adversários da obrigatoriedade não é propriamente o diploma, mas o conhecimento metódico e aprofundado, possível em vários cursos de Jornalismo. Coisa rara ou inexistente nas redações de uns tempos para cá.
* Jornalista
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